Cesta, flores, sol, e domingo
Em meu peito abrem-se de novo antigas chagas
Quando as noites se fazem mais frias
E as manhãs nebulosas expiram
O bafo aromático dos feitos noturnos
Faces carregadas de cansaço e alívio
De noites mal-dormidas
Por amor ou dor, solidão...
Todos tomam café da manhã
Até ao meio dia
Até onde rasgará esta ferida?
Tudo se enleia num rasgo sem nexo
Para a unificação de uma única cicatriz...
Nossas dores suportadas em silêncio
São cicatrizes de feridas aparentes
Ferida que nunca se fecha fecha-nos;
Dividimos o indivisível
Para tudo tornar invisível
Toma-se cafeína
Cada qual toma seu café
Amargo?
Cospe-se por ai as amarguras.
Prazer nem para o sexo
Faz-se por fazer
Por vício ou obrigação
Consciente da inconsciência
Do contágio da putrefação.
Ai! Ais que se curam...
Curvo-me diante da insensatez
Como seria a vida feita só de razão
Razão por razão é aritmética;
Sou mais os insetos minúsculos
Que tecem e produzem
Que fazem mel e veneno
E da voz aos olhos
E tornam a insanidade dos sábios
Na loucura da sabedoria de suave expressão.
Bebamos café!
Hoje se alia à minha solidão que se estende da noite
Fantasmas projetando-se já dantes manifestos
No futuro de hoje e de dias distantes
Como se não bastasse a palavra em si
E essa representatividade enigmática e imprevisível
O vento que sob o sol se agita
O dia _ prenúncio de destruição_ veículo para eterna noite,
Há manchetes assustadoras em todos os jornais e revistas
E evitamos a luz para não sangrar as vistas
Reuniões de emergência para camuflar negligências
Nenhum projeto em pauta
Para se estabelecer paz, nenhum plano...
Seguimos estrelas para a escuridão.
Quantas flores, neste domingo, celebrariam a perfeita união dos amantes
Unen-se, entanto, em coroa e perfume
Para adorno de jazigos de corpos precocemente abatidos
Por nossas mãos_ membros dessa gangue sociedade errante e insensível?
Cada dia é uma página por nós ilustrada
Com imagens de chacinas e miséria, e corrupção.
E a justiça é cega, e cega, e nada se vê.
E os direitos humanos faz-se em prol dos desumanos.
E a religião_ paiol da fé_ constrói templos luxuosos e edifícios
Para a propagação de sacrifícios
Com o suor dos ingênuos fiéis
E o pão?
Qual pão alimentar-nos-á
Se comíamos esperança e esperança já não temos
Se nos alimentávamos de domingo
E o domingo fez-se insípido, triste...
A fé já não é mais fé, é fetiche,
E do verbo vida não se conjuga nenhum tempo
Nada mais é o que existe
Tudo é feito ou efeito.
Abro os olhos e vejo cegueira
De morte
De corpo sem alma
E almas em delírio
Num transe vago um lampejo
E um beijo de morte
Logo o tédio na brisa do repentino desejo
E os olhares dos olhos se repelem
Aflitos a olhares alheios
Não pousam; perdem-se;
No fundo escuro de taças borras
De flores de cachimbo
De domingo de barro
De pó de nozes
De nós
De manhã.
Quanto a mim nada faço
Não tenho mãos para arregaço
Nem título nem índice
Nenhum verso para a história
Nenhum choque n’alguma memória
Nem poesia;
Só suspiro, sou cúmplice,
_parte íntegra dessa hipocrisia... CIDADANIA.
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