A tristeza de ontem
Ela bate em minha porta
Ela bate com insistência
Ela sempre vem
Bata bate, e se posta;
Ela testa minha paciência
Eu finjo não ter ninguém.
Ela já esteve mais feia
Com uma cara esquelética e carrancuda
Tentou se afogar em prantos
Quase me leva a loucura.
Já me fez sérias ameaças
Já tentou invadir-me por outras portas
Já me apedrejou o telhado
Quis até me levar à sepultura.
Ela sentou-se à minha porta.
Eu a olho de soslaio
Eu a olho disfarçado, pela fresta,
Eu a olho por entre abril e junho
No 15... 22...
Nas belas manhãs de maio.
Hoje ela está bonita!
‘Ta vestida de festa
Camuflada de alegria
Fantasiou-se de “Margarita”.
Tem amarrado ao cabelo
Uma flor e um laço de fita...
Ela se vestiu de longo,
_ vermelho, verde e rosa _
Ela quer que eu reflita.
Ela ‘ta de chocalho no tornozelo
Tão tímido quanto as castanholas...
Deve ter nas mãos algum novelo
Onde o destino enrola e desenrola...
Eu a ignoro,
Mas me perturba as batidas e os silêncios dos seus gritos,
Por isso paro, fecho o livro,
Volto ao índice,
Escolho o título e reflito.
Leio o poema,
Ouço as vozes,
Outro silêncio,
Outro grito.
Mas hoje eu reflito de cabeça erguida.
Fixo meu olhar no infinito.
É no céu que brilham as estrelas
Estrelas é que se torna mito.
Eu vou abrir a porta,
Vou deixar que ela entre.
Vou imprimi-la numa página
E ver como ela se sente.
Afinal ela é minha
_ só minha _
É feia e triste,
Mas é fiel à minha mente.
É dor, é mágoa, é saudade...
É esperança, é tudo;
Além de tudo é amor...
Tem candura e sinceridade!
Então, que ela entre;
Entre com tudo que tem
Despeçamo-nos, juntos, do ano,
E abracemos o ano que vem.
Ela é a tristeza de ontem
É a tristeza de hoje também
Mas é a única tristeza amiga
Uma tristeza que só me faz bem.
Entre luzes de natal
E expectativas de reveillon
Vivamos euforia de carnaval
Sob o luto desta paixão;
Saudemo-nos com lembranças
Como brinde de ano-bom.
Ascenda-se coração!
Bebamos sol
Ceemos manhãs
Aguardemos ressurreição.
Afinal,
Eu sou o templo do tempo
Sem mim tempo algum não é ninguém!
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