Andávamos, eu e minha melhor amiga, nos corredores do supermercado.
_ Sim, eu também tenho uma melhor amiga!
É preciso ter amigos, e entre eles um grande amigo; O amigo.
É triste não ter amigos.Pior ainda é não ser amigo de ninguém,
É como estar vazio, ser um vazio,
E se ver perdido noutro vazio, dentro de um abismo que, em nada, não nos convém.
E minha melhor amiga tem um grande amigo
Posso afirmar com segurança
Cabe a ela o direito de julgar e decidir.
Mas isso não é conveniente
Não se julga os amigos,
E sim os observamos para melhor conhecê-los
E nos tornarmos melhor amigo
Assim podemos melhor servi-los e ser bem servido.
Andávamos,
Aqui e acolá catando itens
A melhor qualidade
O melhor preço
O mais necessário
E os supérfluos de grande apreço.
Falávamos de valores,
Não de produtos de atacado e varejo,
Falávamos de amizade, de amor,
De formas e maneiras
De doação e aceitação
De reciprocidade de desejos.
Falávamos indiretamente de mim
Por metáforas, rodeios...
Mas como melhor amiga e conselheira
Ela conhece de meu juízo minhas lucidezes
E meus constantes devaneios.
Ao passar pelo caixa ela quis chocolate
Uma caixa do comum, sortida de cores e sabor,
Pensou nos amigos
Eles têm gosto variado
E quis uma caixa especial
Que continha uma dúzia de ovinhos dourados.
_ Parecem ovos de colibri. Eu disse.
_ Por que de colibri? Ela indagou-me.
Então tive de improvisar uma história:
“Os colibris, ao anoitecer, bem à hora d’ângelus;
(hora da Ave Maria)
Voam como uma fecha,
Em linha reta, rumo ao céu vão
Vão e beijam o sol.
O sol que a esta hora
De tanto ser cultuado
Emocionado chora
Chora lágrimas douradas
Chora fios de mel
E uma gota mágica é mel cristalizado.
E entre todos os beija-flores
Só um a cada dia beija o raio encantado;
Este colibri, então, à noite põe,
Em seu alvo ninho de algodão,
Doze ovos dourados
E entre eles nossas preces,
(a mais bem rezada),
Para que o sol venha e os beba a cada manhã
Antes da sua grande jornada.
Tudo se repete todo dia quando o sol desce
E cansado e sonolento lacrimeja antes de adormecer, exceto se estivermos mal-humorados.’’
Ela não rio, pensei, foi uma história boba. Ela não é mais criança.
Ao chegarmos em casa ela embrulhou a caixa de ovos dourados em papel de presente
E entregou-me dizendo:
_ Amanhã de manhã dê-os à sol.
Fiz de desentendido.
_ se não houver sol?
_Então voe! Disse e riu, lindíssima.
Animou-me até convencer-me de que seria bom, me faria bem aquele gesto.
Mas a todo instante eu me lembrava de que dias antes eu havia me decepcionado ao oferecer uma barra de chocolate a essa mesma pessoa que esta recusara dizendo não querer nada que procedesse de mim: Nem chocolates, nem flores, nem versos nem olhares, pensamentos...
Meus dias tem sido amargos
As manhãs lúgubres..
Depois de uma semana aqui estou
Nesta manhã de sol
Sentado à sombra desta tamarindo
Comendo os ovos dourados
Chorando em poemas
Lendo-os
Me identificando e rindo.
Ai, como eu queria que minha melhor amiga estivesse aqui!
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