Meus livros

BannerFans.com

sábado, abril 10, 2010

O que há?

O que há em mim é sobretudo cansaço —
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.
A sutileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto em alguém,
Essas coisas todas —
Essas e o que falta nelas eternamente —;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.
Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada —
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...
E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço,
Íssimno, íssimo, íssimo,
Cansaço... (Álvaro de Campos / Fernando Pessoa)

segunda-feira, fevereiro 01, 2010

Do livro do desassossego _ Bernardo Soares

"Assim como lavamos o corpo deveríamos lavar o destino, mudar de vida como mudamos de


roupa - não para salvar a vida, como comemos e dormimos, mas por aquele respeito alheio

por nós mesmos, a que propriamente chamamos asseio.

Há muitos em quem o desasseio não é uma disposição da vontade, mas um encolher de

ombros da inteligência. E há muitos em quem o apagado e o mesmo da vida não é uma forma

de a quererem, ou uma natural conformação com o não tê-la querido, mas um apagamento da

inteligência de si mesmos, uma ironia automática do conhecimento.

Há porcos que repugnam a sua própria porcaria, mas se não afastam dela, por aquele mesmo

extremo de um sentimento , pelo qual o apavorado se não afasta do perigo. Há porcos de

destino, como eu, que se não afastam da banalidade quotidiana por essa mesma atracção da

própria impotência. São aves fascinadas pela ausência de serpente; moscas que pairam nos

troncos sem ver nada, até chegarem ao alcance viscoso da língua do camaleão.

Assim passeio lentamente a minha inconsciência consciente, no meu tronco de árvore do

usual. Assim passei o meu destino que anda, pois eu não ando; o meu tempo que segue, pois eu

não sigo." (Bernardo Soares _ Heterônimo de Fernando Pessoa)

terça-feira, janeiro 05, 2010

Bernardo Soares (Bernardo Soares)

10.


"Tudo me interessa e nada me prende. Atendo a tudo sonhando sempre; fixo os mínimos

gestos faciais de com quem falo, recolho as entoações milimétricas dos seus dizeres expressos;

mas ao ouvi-lo, não o escuto, estou pensando noutra coisa, e o que menos colhi da conversa foi

a noção do que nela se disse, da minha parte ou da parte de com quem falei. Assim, muitas

vezes, repito a alguém o que já lhe repeti, pergunto-lhe de novo aquilo a que ele já me

respondeu; mas posso descrever, em quatro palavras fotográficas, o semblante muscular com

que ele disse o que me não lembra, ou a inclinação de ouvir com os olhos com que recebeu a

narrativa que me não recordava ter-lhe feito. Sou dois, e ambos têm a distância - irmãos

siameses que não estão pegados."
Google
 

Simples assim

Simples assim