"Assim como lavamos o corpo deveríamos lavar o destino, mudar de vida como mudamos de
roupa - não para salvar a vida, como comemos e dormimos, mas por aquele respeito alheio
por nós mesmos, a que propriamente chamamos asseio.
Há muitos em quem o desasseio não é uma disposição da vontade, mas um encolher de
ombros da inteligência. E há muitos em quem o apagado e o mesmo da vida não é uma forma
de a quererem, ou uma natural conformação com o não tê-la querido, mas um apagamento da
inteligência de si mesmos, uma ironia automática do conhecimento.
Há porcos que repugnam a sua própria porcaria, mas se não afastam dela, por aquele mesmo
extremo de um sentimento , pelo qual o apavorado se não afasta do perigo. Há porcos de
destino, como eu, que se não afastam da banalidade quotidiana por essa mesma atracção da
própria impotência. São aves fascinadas pela ausência de serpente; moscas que pairam nos
troncos sem ver nada, até chegarem ao alcance viscoso da língua do camaleão.
Assim passeio lentamente a minha inconsciência consciente, no meu tronco de árvore do
usual. Assim passei o meu destino que anda, pois eu não ando; o meu tempo que segue, pois eu
não sigo." (Bernardo Soares _ Heterônimo de Fernando Pessoa)
Um comentário:
Oi prazer em conhecê-lo.
Passei gostei do que li e fiquei.
Abraços.
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